Como cultivar milho




O milho

Não poderia de forma alguma deixar de abordar o cultivo deste cereal que assume um papel de especial importância na estrutura da subsistência da vida rural.



Há mais de sete mil anos que este alimento se viu incluído na base da alimentação humana, sendo um dos cereais mais nutritivos, rico em proteínas, fibras e aminoácidos. Parece ter origem na América do Sul, constituindo a base da alimentação dos povos indígenas que lhe atribuíam uma elevada importância pela abundância que proporcionava. 
Verde, seco, cozido, assado, desfeito em papas, em farinha, pode ser consumido de múltiplas formas. São dezenas as variedades conhecidas, e o colorido dos seus grãos muito variado, quanto mais escuro, mais nutritivo. Do milho ainda se pode produzir açúcar, álcool, cerveja, whisky. 

                                                                    
“Uma arca de milho é uma casa de pão” dizia o meu pai.

Do carolo (núcleo fibroso das espigas onde se fixam os bagos) ao caule, nada se perde. A folhagem depois de seca é armazenada no palheiro, para alimentar o gado no inverno. Depois de retiradas as espigas, o que resta do caule já quase seco, é cortado junto ao solo com uma sachola, enxada rasa, para limpeza do terreno, e utilizado nos currais, depois de retirado o estrume, servindo para cobrir o chão, formando uma camada, vindo a produzindo mais estrume.

O milho seco, partido, inteiro, ou em farinha, garante abundância de alimento para a família e para os animais. Moído, enche os sacos com farinha de textura aveludada, amarela ou branca consoante a variedade, rica em vitaminas, hidratos de carbono, fibras, e minerais, com a particularidade de não possuir glúten é principalmente utilizada para fazer pão, papas e bolos. Antes de ser utilizada ela é peneirada, (peneira, crivo de malha muito fina) separando os resíduos fibrosos que também surgiram com a moagem, o chamado farelo, muito apreciado no galinheiro misturado com folhas de couve-galega, cortadas miudinhas
A farinha também é utilizada como reforço de ração no galinheiro, ou para o porco que se pretende gordo.  

A utilização desta ou daquela variedade parece estar relacionado com as condições climatéricas e características dos solos. A norte, a preferência vai para o milho branco, menos nutritivo, por aqui no Ribatejo centro, zona de Tomar, sempre recordo aos meus avós, aos meus pais o cultivo do milho amarelo, com generosas espigas de bago grosso arredondado.
De uma forma geral o milho gosta de terra fértil, e abundância de água.
Atualmente já existem muitas variedades modificadas, as chamadas híbridas, melhoradas geneticamente com maior resistência às maleitas, melhor adaptação aos terrenos às condições climatéricas, com menor exigência de rega, e menos tempo de maturação, 3 meses, assim como melhor rentabilidade de produção. Utilizadas na produção intensiva, industrial, mas que apesar da informação existente, não sabemos em concreto quais serão os seus efeitos na saúde humana.

Variedades tradicionais:
  
Branco e amarelo, grão redondos, grandes, coroa dura, ambos apresentando grande desenvolvimento em altura podendo atingir facilmente os três metros, com grandes espigas, uma a duas por planta, proporcionando excelente produção. Da sementeira à colheita, vão passar quase cinco meses. Ótimos para produção de farinha, assim como para ração dos animais, com excelentes características que permitem o armazenamento durante o ano inteiro.                                                   
Dente de cavalo, utilizado principalmente da produção de ração para animais, têm excelente produção, apresenta um bago grande, faceado e alongado, amarelo, de coroa menos dura. Produz espigas compridas, bem desenvolvidas e pode ter um tempo de maturação mais reduzido, cerca de quatro meses, se for híbrido, três meses com menor exigência de rega. Esta variedade não sendo adequado para fazer farinha pelo facto de ter pouca dureza, é ótimo para ser esmagado. As suas propriedades para armazenamento também não são as melhores devidas há capacidade de reter humidade desenvolvendo caruncho.
Outras variedades há, com grãos mais pequenos, adaptadas a solos mais pobres e escassez de água, o chamado milho de sequeiro,
Milho de pipoca, é um milho pequeno bicudo, com total ausência de amido, com interior esponjoso, onde aglomera muita humidade. Ao ser aquecido, a humidade aumenta de volume fazendo-o explodir.
A relevância deste capítulo é para com o milho tradicional, de grão amarelo, duro, que não me guarda segredos, que tantas vezes semeei, despontei e desfolhei.
A semente que se utilizava em cada ano provinha do ano anterior. Para tal eram escolhidas, e guardadas as melhores espigas. As variedades tradicionais permitem utilizar o milho produzido, como semente, sem perda de produção, o mesmo já não acontece com os híbridos, cuja renovação é necessária a cada ano.

Durante os quatro meses, que decorrem da sementeira á colheita e armazenamento, as atividades relacionadas com o cultivo do milho ocupam uma grande parte do quotidiano.

Sementeira

Abril será o mês da sementeira. Tal como fazemos com outras culturas, se o tempo se apresentar demasiado seco, deve-se regar a terra um ou dois dias antes da lavoura. O método de cultivo é idêntico ao feijão (quadro da página…) Depois da terra lavrada e preparada podemos semeá-lo ao rego ou em covatos (pequenas covas com cerca de 15 a 20 cm de profundidade).

Se a opção for aos regos espalha-se o estrume por cima da terra antes de lavrar. Um a um, vão-se depois abrindo os regos de pequena profundidade, cerca de dez centímetros, distanciados cerca de 25…30 cm, uns dos outros e com a terra da abertura de um tapasse o anterior. Depois de aberto, espalha-se um pouco de fertilizante (…..gramas)no fundo do rego. Antes de colocar os grãos cobrimos o fertilizante com um pouco de terra.


Para melhor rentabilizar a terra, o trabalho e a água, é costume aproveitar para semear junto do milho, feijão rasteiro para secar.
Como diz o meu amigo Carlos “ dois milheiros, dois feijões…dois milheiros, dois feijões…“ quer dizer, colocamos dois grãos de milho seguidos de dois de feijão no espaço intermédio, sendo que os milheiros deve ficar distanciados dos próximos, cerca de 25…30cm. Se pretendermos podemos colocar não dois mas três, e com o feijão igual, garantindo assim maior sucesso na germinação, depois na monda arrancam-se os que estiverem em excesso.
Na sementeira por covatos, que me parece mais eficaz, acrescentando maior benefício, pois o estrume e o fertilizante ficam mais concentrados no espaço e logo disponíveis assim que se desenvolvem raízes, o distanciamento é o mesmo. Na área que pretendemos cultivar, com uma enxada, abrem-se as covas com 15…20 cm, uma a seguir à outra, em carreira. Claro que esta disposição não têm obrigatoriamente de ser assim, pode-se optar por um maior distanciamento, mas este é o mínimo recomendável.
O principio mantém-se, no fundo da cova em opção o composto fertilizante 10-10-10, cerca de 50 gramas, depois um bom punhado de estrume misturado com cinza se houver, a seguir cobre-se com terra, e colocam-se as sementes, dois ou três grãos de milho e dois ou três de feijão, ligeiramente afastados uns dos outros. No final, só vai ficar um milheiro e um feijoeiro, mas por vezes não nascem todos, ou não nasce nenhum, daí utilizarmos vários grãos. Se for necessário repete-se a sementeira. O feijão será sempre de variedade rasteira.
Nas pequenas aldeias, ainda se vão encontrando sementes tradicionais, que os mais idosos vão guardando de ano para ano. Estas variedades tradicionais, que não foram alteradas geneticamente, permitem ser utilizadas como semente em cada ano, sempre com boa produção. De outro modo, as sementes atuais, devem de ser renovadas a cada sementeira.





Sacha e monda

Se tudo correr bem, passados cerca de um mês, já vemos as pequenas plantas verdes a enfeitar o solo, por esta altura terão 10 a 15 cm. É tempo de sachar, e mondar. Se houve sucesso na sementeira observamos varias plantas em cada covato. Vamos então com cuidado para não danificar as raízes da planta que vamos deixar, por vezes estão muito próximas, arrancar as restantes, escolhendo pelas mais fracas, deixando ficar apenas um milheiro e um feijoeiro. Seguidamente com uma sachola, enxada rasa, picamos, raspamos a terra ao redor, arrancando a erva, aconchegando-as, puxando alguma terra para junto do pé da planta.




Rega

O início das regas dependendo das condições metrológicas, iniciam-se pelo final de Maio, Junho. Se não chover têm de se começar a regar, para se ter uma boa colheita o milho não pode passar sede.
De acordo com o tipo de rega que vamos utilizar, temos de preparar a terra, se for a fio, uma das opções é fazer logo aquando a sementeira as leiras dentro das quais se fazem depois os covatos, ou então fazê-las por altura da sacha. 
Para regar também se podem abrir regos longitudinais de pouca profundidade para não danificar as raízes, entre cada fila de milheiros, ligados a um rego principal na cabeceira, a regadeira, abrindo-os depois  um a um, de cada vez, permitindo que a água entre no rego que a conduzirá por entre as plantas e quando chegar ao final do rego, na regadeira, com a enxada tapa-se a entrada de água neste rego e abre-se para o  seguinte, levando assim a água a cada um dos regos.
Como o consumo de água é sempre dispendioso, e a sua escassez é cada vez maior, devemos optar por uma utilização criteriosa. Sempre que possível recomendo a instalação de um sistema de rega gota a gota, com gotejadores espaçados 20...25 cm e um caudal cerca de 1,5 a 2 litros por hora. Alem de ser um sistema bastante prático e cómodo, se quisermos fazer mais algum investimento, permite a opção de rega automática, programada. A rega gota a gota que também experimentei recentemente, é muito eficaz contribuindo para uma poupança de água muito significativa e com custo de instalação relativamente reduzido, dependendo das condições pré existentes, como um tanque ou um depósito com algum declive para o terreno, que proporcione alguma pressão, 1,5 a 2 bar, o que será suficiente.
Os aspersores verticais, são uma opção prática e fácil de instalar, bastante utilizados nas grandes áreas de cultivo, mas implicam um maior investimento devido à maior pressão necessária assim como maior consumo de água, cabendo a cada um decidir qual o sistema que melhor se adequa ao seu caso.


Apanha do feijão e desponta do milho

Aos três meses já observamos a densidade do verde que se ergue cobrindo o solo, ostentando a meia altura uma ou duas maçarocas (espigas).  

 

O feijão está apto a ser colhido. Algumas vagens já se encontram secas, pelo que este trabalho tem de ser feito pela manhã cedo, com alguma humidade, caso contrário abrem-se e soltam os grãos. A colheita é feita arrancando as plantas, puxando pelo pé, formando molhos que se transportam para a eira para acabar de secar, sendo depois debulhado.



 Depois do feijão colhido segue-se a desponta.



 De modo a aproveitar a parte superior da planta depois de seca, para alimentar os animais, sendo mais tenra, e ao mesmo tempo contribuir para estimular o engrossamento das espigas, no início de Agosto com uma faca, ou uma foice, vai-se cortando uma a uma a ponta dos milheiros, logo acima do primeiro nó do caule, depois da espiga, com um corte na diagonal.




Juntando-as, vamos fazendo pequenos braçados que transportamos para fora da área de cultivo, espalhando-as uniformemente no chão, ponta para um lado, caule para o outro, de modo a ficarem bem expostas ao sol facilitando o processo de secagem, de preferência em cima da erva, feno, para não ficar em contacto direto com o solo cuja humidade estimula o desenvolvimento de fungos levando ao apodrecimento. Quando estiverem bem secas, sem se deixarem molhar, fazem-se molhos, atam-se e arrecadam-se no palheiro. Deve-se ter atenção ao tempo, por vezes é necessário correr quando a chuva chega inesperada.
Se acontecer molharem-se, nos próximos dias devem-se virar uma ou duas vezes, para que enxuguem convenientemente e só depois armazenar, caso contrário a humidade fará com que apodreçam, no entanto já irão apresentar uma cor um pouco escurecida.
A desponta deve-se iniciar pela manhã bem cedo, depois do sol começar aquecer torna-se bastante desagradável devido ao contacto com a aspereza das folhas que se erguem e o pólen que se vai soltando, recomendando o uso de luvas e roupa de manga comprida para proteger os braços.
Depois de despontado pode-se regar mais uma vez, terminando aqui o período da rega.




 Desfolha do milho

Estaremos então na fase final da sua maturação, com as espigas já formadas, e o milho quase feito.
 Passadas cerca de duas, três semanas da desponta, outra tarefa surge, a desfolha! 







Desfolhar o milho, consiste em retirar as folhas que restam na metade inferior do caule que ficou depois da desponta e que por esta altura já começam a secar, anunciando o fim do ciclo de vida. Uma a uma, com um movimento rápido, energético, puxamos-las no sentido descendente, de cima para baixo, despindo-as do caule, formando pequenas macheias, que vamos atando.



Para atar vamos utilizar as próprias folhas. Com a mão direita, pegamos em duas das que estiverem mais verdes, enquanto as extremidade se mantém seguras na macheia, na mão esquerda, fazendo-as circundar, passando cima dessa




extremidade de modo a mantem-la fixa, entalan
do agora as pontas por baixo da cinta formada, depois vão se deixando penduradas aqui e ali, nas extremidade dos canoilos, fazendo-as enfiar na ponta aguçada do corte anteriormente feito. Esta exposição além de permitir uma excelente secagem também contribui para proteger as espigas do olhar, e apetite voraz da passarada.

Este trabalho também deve ser feito pela manhã cedo, de preferência escolhendo um madrugada húmida, caso contrário as folhas que por esta altura já se encontrem parcialmente secas, partem-se, esmagam-se. Mais duas ou três semanas e estarão bem secas, prontas para serem arrecadadas no palheiro. Deve-se ter atenção ao tempo, folhas e pontas se as queremos guardar em condições, não se podem deixar molhar, caso contrário se absorverem humidade escurecem, ganham caruncho.




Colheita e descamisada



Pelo início de Setembro, colhem-se as espigas, transportam-se para a eira.


No campo restam agora os canoilos (troços do milho) despidos. Na eira ao redor amontam-se as espigas. Por esta altura convidavam-se familiares e vizinhos para ajudar na descamisada, sentados atrás das dunas de espigas, com um pequeno utensílio aguçado, o (….) em ambiente festivo, cantarolando, iam abrindo e puxando as camisas, deixando a descoberto as fartas e roliças espigas que iam enchendo os cestos.








 As camisas são formadas por várias camadas, com as interiores mais finas, e macias, selecionadas e desfiadas, enchiam-se os colchões das camas, demolhadas ajudavam a empostigar os barris. Armazenadas no palheiro, eram aproveitadas para a dieta alimentar dos cavalos, burros e mulas, nada se perdia. A barba do milho, que brota das espigas, era utilizada para fazer chá.



Espalhadas na eira, assim ficavam alguns dias, três, quatro, ate ficarem bem secas, remexendo-se diariamente com um gadanho de bicos de madeira, para as virar. Ao final do dia eram cobertas com um oleado, protegendo-as da humidade noturna. O toque das espigas umas nas outras o tilintar metálico, indicava que estavam prontas para a debulha.



Debulha

Com as espigas já bem secas, caso contrário ao passar na máquina da debulha partiam-se os grãos, procedia-se á debulha.
Sendo pequena quantidade pode-se debulhar á mão, há até quem armazene as espigas e vá debulhando conforme necessita, neste caso devem permanecer mais uns dias ao sol.
O carolo, interior fibroso da espiga que fixava os grãos, é um excelente combustível para queimar na lareira.
O milho depois de debulhado, manualmente com um crivo ou com uma máquina, tem de ser bem limpo, libertando-o de todos os resíduos de palha. Esta operação também pode ser feita, içando-o numa pá, erguendo-a com os braços, inclinando-a ligeiramente para que os grãos vão caindo lentamente, aproveitando a existência de algum vento ou brisa que vai soprando os resíduos. Posteriormente volta a ser espalhado ao sol durante mais alguns dias, quatro, cinco, para que fique bem seco, remexendo-se diariamente com um ancinho para virar os grãos, cobrindo-o de noite.
O armazenamento deve ser feito em lugar seco, em sacos de serapilheira, ou de preferência numa arca de madeira, tendo atenção aos ratos que tendo oportunidade não prescindem da sua cota parte. Desta forma pode-se guardar de um ano para o outro, sendo o gorg
ulho o seu principal inimigo.

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